quinta-feira, dezembro 13, 2007

A Corrupção - Breve Análise de Direito Comparado

(texto de Sérgio Pena)

NOTA IMPORTANTE:
O presente texto é apenas o draft da exposição apresentada no CEJ, no dia 6.12.2007, no âmbito do seminário de formação permanente subordinado à temática “Criminalidade Económico - Financeira e Criminalidade Fiscal”.


BREVE ANÁLISE DE DIREITO COMPARADO (Espanha, França, Itália e Alemanha)

Duas notas:
- Por limitações de tempo vamos abordar apenas a corrupção que se designa por administrativa (prevista no nosso ordenamento no Código Penal, artigos 372º a 374º), fazendo breves apontamentos sobre a designada corrupção política (prevista no nosso ordenamento na Lei 34/87 de 16 de Julho), deixando de fora a corrupção no fenómeno desportivo e as designadas corrupção no sector privado e a de agente público estrangeiro (previstas no DL 28/84 de 20 de Janeiro).
- Igualmente, por essa razão, vamos apenas visionar de forma panorâmica as soluções encontradas pelos legisladores: Espanhol, Francês, Italiano e Alemão.

ESPANHA
A corrupção encontra previsão nos artigos 419 a 426 do CP Espanhol, sob o título crimes contra a administração pública e no capítulo “Del Coecho”.
Considerando, como referência, o nosso crime de corrupção passiva, o legislador espanhol previu três tipos base distinguindo as penalidades, em razão da natureza do acto ou omissão praticado pelo funcionário (incluindo-se os titulares de cargos políticos), assim:
(artigo 419 CP Espanhol) - Se esse acto ou omissão consubstanciar a prática de um crime, o agente será punido com pena a pena do crime respectivo e com pena de prisão de 2 a 6 anos, multa calculada entre o valor da dádiva (ou promessa) e o seu triplo e inabilitação para função ou cargo público pelo período de 7 a 12 anos.
(artigo 420) - se esse acto (e aqui já não omissão – que neste caso é punida autonomamente pelo artigo 421
[1]) se traduzir na prática de um acto ilícito (civil ou administrativamente) relativo ao exercício do cargo, que não seja crime, as penas (de prisão/multa e inabilitação) serão inferiores.
Distinguindo-se caso seja praticado o acto prometido – caso em que a pena é de um a quatro anos/inabilitação especial de para função ou cargo público pelo período de 6 a nove anos e multa calculada entre o valor da dádiva (ou promessa) e o seu triplo; ou caso não seja praticado o acto prometido – em que a pena é de um a dois anos/inabilitação especial de para função ou cargo público pelo período de 3 a nove anos e multa calculada entre o valor da dádiva (ou promessa) e o seu triplo
(artigo 425/1) – Ainda mais baixas serão as penas se se tratar de um acto licito, “acto próprio do cargo” (pena de multa e suspensão para função ou cargo público pelo período de 6 meses a 3 anos)

(artigo 425/1/2) - Equipara-se, em punição, a recompensa por acto já realizado à punição da corrupção para acto lícito.

(artigo 426) - Prevê-se como crime, punível com pena de multa de três a seis meses, a mera aceitação de dádivas ou ofertas tendo em consideração a função – ou seja não dependente da prática de um concreto acto decorrente do exercício de funções, disposição similar à prevista no artigo 372.º, n.º 2 do nosso Código Penal.

(artigo 423) - Finalmente, no que respeita à corrupção activa são previstas, regra geral, por remissão, penas idênticas às de prisão e multa, previstas para a corrupção passiva.
Como excepção desta identidade de penas, encontram-se as situações em que a actuação do particular se traduza NÃO na PROMESSA, mas na aceitação de solicitação efectuada pelo funcionário, caso em que a pena deve ser reduzida e as situações de suborno em causa criminal a favor do arguido, se o acto de suborno for praticado por pessoas com especial laço familiar ao arguido.

Como traços diferenciadores da legislação Espanhola, comparativamente com a portuguesa, assinalaríamos, em síntese:
a) A construção tripartida do crime de corrupção passiva, nos moldes assinalados.
b) O facto de prever como penas principais para as situações de corrupção passiva:
+ para além da pena de prisão (nos casos mais graves);
+ uma pena de multa que oscila entre o valor da dádiva e o seu triplo; e,
+ a inabilitação especial para o exercício de função ou cargo público que oscila entre 1 a 15 anos.
c) O facto de punir de forma idêntica os titulares de cargos políticos.

Apesar de não caber no âmbito desta exposição destacaríamos, ainda, a previsão ao nível dos crimes relativos ao ordenamento territorial/meio ambiente e protecção do meio ambiente que funcionam como verdadeiras válvulas de escape para punição de condutas (as mais das vezes corruptivas, que por ausência de prova relativamente ao pagamento ou promessa de pagamento, ficariam impunes).
São zonas de risco que o legislador Espanhol decidiu proteger, antecipando tutela penal através de incriminações de perigo e cuja investigação é acompanhada por uma unidade especial da Fiscalia anticorrupção, designada - Fiscalia dos meio ambiente (Ex. Caso Marbela).
A titulo de exemplo os artigos 319 e 320 do CP Espanhol, punem, respectivamente, as condutas de quem promove/constrói ou é técnico responsável pela construção de edificações em violação das normas urbanísticas e de quem sendo funcionário informe positivamente ou aprove (ou contribua para aprovação em caso de órgão colegial) projectos ou licenças para construção nessas circunstâncias.
Neste último caso – dos funcionários – a pena é a aplicável ao crime de prevaricação (cf. artigo 404 do CP Espanhol – pena de Inabilitação especial para função ou cargo público pelo período de 6 a 12 anos).
A pena é agravada em caso de construções em zonas verdes/espaços do domínio público e, em geral, em zonas classificadas.

FRANÇA
A legislação francesa prevê o crime de corrupção passiva no artigo 432-11, do Código Penal sob a epígrafe – Da corrupção passiva e tráfico de influências cometidos por pessoas que exerçam uma função pública –
Como resulta da epígrafe o tipo prevê duas realidades que em Portugal se apresentam separadas sistematicamente, com as implicações daí decorrentes.
Foquemos a atenção na corrupção passiva.
Esta é em França punida com pena de prisão até 10 anos e multa (150 mil euros).
Ao nível do sujeito activo do crime – corrompido – incluí qualquer funcionário público e qualquer pessoa investida de um mandato público de carácter electivo.
Para o preenchimento do tipo objectivo basta a promessa respeitar à prática de um acto funcional, ou facilitado pela mesma. Ou seja, não se caracteriza o acto como lícito ou ilícito, relegando-se para a medida concreta da pena as correspondentes diferenciações.
É prevista a possibilidade de aplicação de penas assessorias de proibição de exercício da função pública por tempo determinado (máximo 10 anos), bem como nalgumas situações a perda de direitos cívicos.

Relativamente à corrupção activa prevista no artigo 433-1 do Código Penal Francês verificamos que é punida com penas idênticas às da corrupção passiva e que, igualmente, não existe distinção em função da natureza licita ou ilícita do acto praticado ou a praticar pelos funcionários.

Como traços diferenciadores da legislação Francesa, comparativamente com a portuguesa, assinalaríamos, em síntese:
- Inclusão de pessoas com mandato electivo – políticos – no âmbito dos sujeitos da prática de crime;
- Não distinção, da pena abstractamente considerada, em função da natureza lícita ou ilícita do acto praticado ou a praticar pelo funcionário.
- Pena idêntica para corrupção activa, igualmente, sem distinção.


ITÁLIA
Em Itália, País que se quis emblemático na luta contra a corrupção, adjectivou-se o fenómeno de “Tangentopolis” (sendo tangente – suborno e polis, obviamente cidade – cidade do suborno).
As tentativas de bloqueio do sistema judicial tornaram-se mediatizadas. Grande parte do labor “legíferante” surgiu por ânimo da jurisprudência, motivo pelo qual esta merece especial referência.
Mas vejamos:
O CP Italiano prevê no artigo 318.º a corrupção para acto licito - como se diz no texto em tradução livre – prática de acto do cargo - e no artigo seguinte a corrupção para acto ilícito – prática de acto contrário ao cargo.
As penas são de máximo de três anos para a primeira situação e de cinco para a segunda.
As penas são agravadas se o acto respeitar a contrato ou vínculo permanente com a administração (319/2).

O corruptor é punido com penas idênticas.

No caso da corrupção activa as penas são reduzidas de 1/3 se o acto não se praticar, chama-lhe o CP Italiano, na epígrafe do artigo 322, Instigação á corrupção (Istigazione a la corrupzione)

São previstas penas patrimoniais.

As normas aplicam-se a titulares de cargos políticos electivos.

Mas como referimos a Jurisprudência (refira-se na senda da Procuradoria de Milão) assume um papel activo na conformação dos tipos legais,

Destacam-se, as seguintes linhas extraídas das decisões dos Tribunais Italianos:
1- O aniquilamento da distinção entre corrupção para acto lícito e ilícito. Na prática tudo é reconduzido à segunda figura, invocando-se o princípio segundo o qual o funcionário que recebe dinheiro indevido, perde a sua imparcialidade, pelo que os actos são sempre contrários ao dever do cargo.
2- O aniquilamento do elemento típico “acto por parte do funcionário”. A jurisprudência considera que quando o particular entrega dinheiro ou atribui outra qualquer vantagem ao funcionário público, existe corrupção mesmo que não se demonstre a relação entre a atribuição ilícita e a actividade do funcionário. Basta um pagamento.
3- O Código Penal Italiano, à semelhança do Português prevê como puníveis, quer o recebimento de uma vantagem, quer a mera aceitação da promessa de vantagem, por parte do funcionário, para a prática de um acto funcional. A jurisprudência italiana entende que, nas situações em que após a promessa existiu o efectivo pagamento, estamos perante a prática de dois crimes – dupla consumação, chamam-lhe delito cumulativo. Mas mais, se existe pagamento fraccionado, existem tantos crimes quantos as fracções de pagamento. Visa-se assim e consegue-se um aumento das penas.


ALEMANHA
Na legislação Alemã a corrupção está prevista na secção trigésima, sob a epígrafe factos puníveis no exercício de cargo público.
Inicia a secção uma previsão sob a epígrafe “aceitação de vantagem”, que traduz o comportamento daquele que solicita, se faz prometer ou aceita uma vantagem para si ou para terceiro pelo exercício das suas funções, punindo-se com uma pena privativa da liberdade até três anos ou com multa.
Norma que se encontra próxima/paralela da nossa corrupção para acto lícito – incluindo-se, também, quer as situações em que a vantagem é referência de uma determinada actuação funcional, quer aquela que se reporta ao exercício das funções em geral.

No parágrafo 332, surge a incriminação sob a epígrafe corrupção passiva, norma paralela à nossa corrupção passiva acto ilícito.
Ao nível do sujeito activo incluem-se os titulares de cargos electivos.
O sinal distintivo relaciona-se com o facto da vantagem estar associada a uma infracção do dever funcional.
Prevê-se uma pena privativa da liberdade de seis meses a cinco anos, que pode ser atenuada ou agravada, consoante a maior ou menor gravidade da conduta, respectivamente, para pena até 3 anos ou multa e para pena privativa da liberdade de 1 a 10 anos.
O legislador alemão explicita o que deve considerar-se por conduta mais grave, designadamente:
1. quando o acto (praticado ou a praticar) se reporte a recebimento ou promessa de uma vantagem de valor considerável; ou,
2. o autor aceite continuamente vantagens; ou,
3.em situações em que autor actua como membro de uma organização.

A tentativa é sempre punível.

No n.º 3 do parágrafo 332 equipara-se o acto praticado, ao acto a praticar e explicitasse que o crime, nesta modalidade, estará consumado, quando o corrompido, revelar junto do outro – corruptor - a sua disposição para:
- violar os seus deveres;
- quando a acção se revele dentro dos seus poderes discricionários e aquele revele que se deixa influenciar pela dádiva ou promessa, no exercício desse poder.

Acrescem penas pecuniárias a fixar nos termos gerais.

Agravam-se as penas quando o crime for praticado por magistrado.

São previstas penas acessórias de proibição de exercício da função pública por tempo determinado, bem como nalgumas situações a perda de direitos cívicos.

Equipara-se a acção à omissão.

Finalmente, no que respeita à corrupção activa são previstas, regra geral, por remissão, penas idênticas às de prisão e multa previstas para a corrupção passiva, nas diferentes modalidades referidas.

Como casos especiais de corrupção no âmbito estatal está penalizada, no Código Penal Alemão, a “corrupção de eleitores” e a “corrupção de deputados” (parágrafo 108).

Em ambos basta a promessa de vantagens, para que se vote ou não, em determinado sentido.

A pena é privativa de liberdade até 5 anos ou multa.


Como traços diferenciadores da legislação Alemã, comparativamente com a portuguesa, assinalaríamos, em síntese:
a) A inclusão dos titulares de cargos políticos no lote dos sujeitos activos do crime de corrupção passiva previsto no paralelo CPenal (ou seja, não é relegado para legislação extravagante)
b) a agravação da pena privativa da liberdade para a corrupção passiva para acto ilícito – até 10 anos, nas situações mais graves.
c) a definição expressa de que os actos no exercício de poderes discricionários, são passíveis de consubstanciar a prática de crime de corrupção passiva.
d) a expressa inclusão da corrupção de deputados, como forma de assegurar uma maior representatividade e transparência nas instituições democráticas

Como nota final refira-se que na doutrina e jurisprudência alemãs o conteúdo da ilicitude da conduta abrange não só assegurar a correcção de conteúdo das decisões, mas também a manutenção das regras formais do procedimento, enformadoras dos princípios da eficiência, imparcialidade e igualdade perante a lei.


NOTAS:
[1] Artigo 421 – abstenção de prática de acto no exercício do cargo – pena de multa compreendida entre o valor da dádiva e inabilitação especial para função ou cargo público pelo período de um a três anos.